Regional | Presos compram celular por R$ 10 mil dentro da prisão

Ex-detento diz que aparelhos entram por meio de funcionários; preço varia de acordo com uma função: a câmera

Cláudio Dias, Araraquara.com

Imagem: Divulgação
Um aparelho celular, que nas lojas da cidade podem ser comprados por R$ 200 a R$ 2 mil, dependendo do modelo e das funções que oferece - acesso à internet e tamanho da memória, por exemplo -, dentro do sistema prisional são adquiridos por valores entre R$ 8 mil a R$ 10 mil. A variação nos preços depende da função câmera.
 
As informações foram passadas com exclusividade à Tribuna por um homem recém-egresso do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Araraquara, complexo que integra a Penitenciária. Durante semanas, por meio de um intermediário, a reportagem negociou a entrevista exclusiva com o ex-detento, integrante da facção Primeiro Comando da Capital (PCC). A condição foi que nenhum dado pessoal fosse revelado, para evitar retaliações.
 
Nessa conversa, ele abriu o jogo e contou detalhes e falhas do sistema. "Celular na mão da gente pode ser uma arma", sentencia.
 
Ele conta que o último celular que teve como interno não tinha câmera. "O meu era simples e valia R$ 8 mil", conta o jovem, que negociou o "radinho" com outro detento ao ganhar a liberdade.
 
Ao contrário do que se imagina, não são as mulheres que levam os aparelhos para as unidades. Segundo o ex-detento, o sistema de segurança instalado hoje detecta facilmente os celulares, por isso, eles têm que recorrer a outro caminho: "Quem passa são os funcionários da unidade. Eles dão uma força." E faz outra revelação: "Eles fazem muita vista grossa. A maioria não faz mais nada, não".
 
No mês passado, um ex-agente de Araraquara foi preso em Bauru por tentar entrar na Penitenciária 2 da cidade com oito aparelhos. Ele tinha sido transferido em 2008 pelo mesmo crime - corrupção passiva.
 
Como o risco para levar um aparelho para dentro do sistema é grande, o valor também é alto. Mas lá, diz o homem, para tudo "dá-se um jeito" e nada é por caridade. Ele conta que o celular é o objeto de desejo de dez em cada dez internos. Quem compra, pode "alugar" e cobrar dinheiro por isso, apesar de a prática não ser a mais comum. Geralmente, os minutos de conversa são pagos com créditos, ou seja, o usuário carrega um valor, gasta uma parte e deixa o restante para o dono do aparelho. "Cada um, cada um. Eu não gostava de emprestar porque não sei se vão passar o número para a diretoria." 
 
Silêncio 
 
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária com questionamentos sobre a entrada de celulares nos presídios por meio de funcionários e o uso atrás das grades. No entanto, em nota oficial, a única resposta do órgão foi que não irá se manifestar sobre o assunto. 
 
Crimes são organizados de dentro da cadeia 
 
O telefone é usado para muitas coisas n aunidade prisional: conversar com a família, fazer acordos de facção e negócios ilícitos. "Já usei para muita coisa, mas não para rebelião ou coisas assim. Só de tráfico mesmo e para controlar as coisas, porque tenho meus negócios, né. Mas nas bocas, você sabe!", conta o ex-interno, que admite ter acompanhado assaltos e auxiliado na formação de quadrilhas. "A gente faz assalto. Entre nós, ‘bola’ quatro ou cinco caras. Aí, os parceiros que estão na rua montam um time para assaltar também", conta ele.
 
Ele detalha o esquema: "Eu tenho um parceiro. Aí outro parceiro tem um carro e o outro tem as armas. Eles vão fazer o assalto na rua, mas a gente acompanha de dentro."
 
Muitos dos alvos são passados por acertos de dívidas, ou seja, alguém com alguma pendência com o grupo entra em contato e dá a dica de onde e como roubar. "Tem muito cara da rua que vai procurar a gente para resolvermos os problemas. Quando eu estava lá dentro, resolvia, aí ele passava a ‘caminhada’. Assim: o cara conhece o dono de um supermercado, sabe que ele recolhe o dinheiro tal dia e que tal dia ele pega tantos mil. Aí, ele passa tudo certinho e a gente monta o time para ir lá roubar."